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Breve introdução ao Direito da União Europeia

Por Philipe Augusto da Silveira Cordeiro, advogado Brasil/Portugal/U.E.

A União Europeia é, atualmente, uma organização política e econômica formada por 27 Estados da Europa, sendo estes:  Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Polônia, Portugal, República Tcheca, Romênia e Suécia.

Nas palavras de Jorge Miranda[1], “a União Europeia é, pois, bem mais do que uma organização internacional, mesmo de integração. E contém elementos federalizantes, embora não chegue a ser um Estado federal. Sem dúvidas, aproxima-se mais de uma confederação – de uma confederação com notas inéditas no confronto das confederações clássicas, por conter elementos provenientes de outras estruturas.”.

Já Maria Luísa Duarte[2] expõe que “ a União Europeia, baseada nos “valores do respeito pela dignidade da pessoa humana, da liberdade, da democracia, do Estado de Direito e do respeito pelos direitos do Homem (art. 2º TUE)”, partilhando com os Estados-membros a matriz do Estado de Direito, assume necessariamente o modelo de União de Direito.”.

De fato, a conceptualização da União Europeia enquanto organização é divergente, haja vista as suas peculiaridades próprias. Não obstante, podemos enquadrá-la, genericamente, dentro dos conceitos clássicos de organização internacional, como uma organização internacional regional fechada, ou seja, um O.I. regional, pois tem uma delimitação geográfica específica, a Europa, e fechada, pois a adesão à ela é condicionada e restrita a Estados pertencentes a esta delimitação geográfica e mediante o cumprimento de requisitos e aceitação dos membros já pertencentes.

Em relação aos Estados-membros, a U.E. “respeita a igualdade dos Estados-membros, bem como as respectivas identidades nacionais, refletidas nas estruturas políticas e constitucionais de cada um, e respeita as funções essenciais dos Estados, designadamente as de segurança nacional (art. 4º, nº 2, do TUE). E, em todas as suas atividades, a União respeita o princípio da igualdade dos seus cidadãos, sendo cidadão da união qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-membro (art.3º) .“[3].

Contudo, o caminho percorrido pelas nações da União Europeia até o presente “Estado da Arte” foi longo e gradual, seguindo a teoria dos pequenos passos (petitis pas) do economista e político francês Jean Monnet [4].

No século XX, a Europa sofreu com os diversos danos causados por duas guerras mundiais, em um espaço de tempo de menor que de uma vida. Os impactos causados jamais foram esquecidos e necessitou-se de muito esforço para que os países mais impactados fossem reconstruídos. 

Com o fim da 2º guerra, políticos europeus se voltaram ao trabalho de reconstrução e formulação de meios à evitar uma nova catástrofe. Neste cenário, surgiam as primeiras propostas de união dos estados europeus, sendo Winston Churchill[5], o grande líder inglês, um dos primeiros a propor a criação de um “Estados Unidos da Europa”, ainda em 1946, em discurso à juventude acadêmica proferido na Universidade de Zurich. 

Assim, em 1952, foi constituída a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), com o objetivo de regulamentar estas matérias-primas, ambas importantes em contextos de guerra, sendo que a ideia era de que um controle conjunto destas matérias-primas essências para a guerra impediria uma nação de iniciar uma guerra contra seus vizinhos europeus.

Em 1957, o Tratado de Roma institui a Comunidade Econômica Europeia (CEE). Na mesma data também foi criada a Comunidade Europeia de Energia Nuclear. A CEE tinha como Estados-Membros a Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos. Esta organização também era chamada de “Europa dos 6” e o objetivo era o de gradualmente estimular a economia europeia, sem prejudicar os poderes soberanos dos estados, bem como permitir a autossuficiência energética dos países-membros. 

A criação efetiva da União Europeia se deu, por fim, no ano de 1992, na cidade de Maastricht, na Holanda, quando os países da CEE se reuniram e assinaram o chamado Tratado de Maastricht.  Este tratado, que entrou em vigor em 1993 e se seguiu ainda do Tratado de Amsterdam (1998) e do Tratado de Nice (2001), propôs uma integração e cooperação econômica. Contudo, ainda era importante que fosse implantada uma maior integração política. 

Assim, em 2007 foi elaborado um novo tratado, o Tratado de Lisboa, que engloba dois tratados, o Tratado da União Europeia, o Tratado de Funcionamento da União Europeia, uma Carta de Direitos Fundamentais e diversos protocolos adicionais, estando em vigor até a presente data.

Com o Tratado de Lisboa, a União Europeia passa a proporcionar aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas (art.3º, nº 2 do Tratado da União Europeia), estabelece um mercado interno e uma união económica e monetária (arts. 3º, nº3 e 4), e promove a coesão econômica e social (art. 3, nº 3)[6]

A União Europeia tem várias instituições e organismos que regem seus poderes políticos. Ao mesmo tempo, a teoria clássica de separação dos poderes, conceptualizada por Aristóteles, formalizada por Locke e depois por Montesquieu[7], não se aplica diretamente à União Europeia, que criou uma forma própria de divisão dos poderes executivo e legislativo.

Dentre os órgãos mais importantes da U.E., se encontram os seguintes:

  • Parlamento Europeu: é um órgão que exerce parte do poder legislativo da União Europeia, os cidadãos elegem diretamente seus representantes a cada 5 anos. Suas principais funções são: votar a legislação a partir das propostas que a Comissão Europeia apresenta, decidir sobre tratados internacionais, votar o orçamento da U.E., exercer o controle democrático das instituições da União Europeia, aprovar a Comissão Europeia proposta pelo Conselho Europeu, analisar petições de cidadãos e debater a política monetária do Banco Central[8].;
  • Conselho Europeu: com funções próprias do poder Executivo, reúne os Chefes de Estado e de Governo dos Estados-Membros, e pelo Presidente da Comissão Europeia, e define as orientações e prioridades políticas da U.E. Esta instituição, contudo, não aprova as legislações. Define a política externa e de segurança comum. Designa e nomeia representantes para altos cargos da União Europeia, entre eles o Presidente da Comissão Europeia;
  • Comissão Europeia: também com funções próprias do poder Executivo, defende os interesses da União Europeia, apresenta propostas legislativas e executa as políticas da união. Comporta por uma equipe de 11 comissários para cada país, além do Presidente da Comissão;
  • Conselho da União Europeia: Suas principais funções são: coordenar políticas, ser a voz dos estados-membros na União Europeia, e votar, em conjunto com o parlamento, projetos legislativos. Esta instituição também celebra acordos, aprova orçamentos e define política externa e se segurança. Não tem membros fixos, cada país envia um ministro da área a ser tratada de acordo com o tema em discussão;
  • Tribunal de Justiça da União Europeia: Tem a função jurisdicional exclusiva de garantir a segurança jurídica e o respeito pelos Estados-membros aos tratados constitutivos da União Europeia, à Carta de Direitos Fundamentais da U.E., bem como dos tratados internacionais assinados pela U.E. com países e organizações internacionais terceiras;
  • Banco Central Europeu: Tem como objetivo unificar econômica e monetariamente os países da União Europeia, realizar a manutenção da estabilidade de preços na zona do euro, apoiar o crescimento econômico, a supervisão adequada dos mercados e instituições financeiras pelas autoridades nacionais, e emitir o Euro;
  • Tribunal de Contas Europeu: órgão independente de controlo externo da U.E., o TCE defende os interesses dos contribuintes europeus, audita as receitas e despesas da U.E., apresenta conclusões e recomendações em relatórios de auditoria, comunica suspeitas de fraude, corrupção ou atividades ilícitas, elabora um relatório anual sobre as contas da organização e emite pareceres sobre propostas legislativas que tenham impacto financeiro para a União Europeia.

A delimitação das competências da União rege-se pelo princípio da atribuição. O exercício das competências da União rege-se pelos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade[9], enquanto que as competências não atribuídas à União pertencem aos Estados-membros[10]

Não obstante, de forma sucinta, pode-se dividir as competências da União Europeia entre as competências exclusivas, competências partilhadas e competências de apoio. 

Em primeiro, têm-se as competências exclusivas[11], que consistem em setores sobre os quais apenas a União Europeia pode legislar, sendo um poder restrito. Desta forma, os Estados-Membros abrem mão de parte de sua soberania para que esta organização possa intervir. Estes domínios exclusivos correspondem em:

  • A união aduaneira;
  • O estabelecimento de regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno;
  • A política monetária do Euro;
  • A conservação dos recursos biológicos do mar no âmbito da Política Comum das Pescas;
  • A política comercial exterior.

Ainda, de acordo com o art. 3º, nº2, do TFUE, a União Europeia dispõe igualmente de competência exclusiva para celebrar acordos internacionais quando tal celebração esteja prevista num ato legislativo da União, seja necessária para lhe dar a possibilidade de exercer a sua competência interna, ou seja suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas.

Em segundo lugar, tem-se as competências partilhadas[12], isto se dá pela divisão do poder entre a União e os Países-Membros, ou seja, os dois terão capacidade sobre a legislação de certos assuntos. Entretanto, os Estados-membros só poderão legislar sobre estes domínios caso a U.E. não tenha exercido esta ação ou tenha optado por não o fazer. Nesta competência, aplicam-se os seguintes ramos:

  • O mercado interno;
  • A política social segundo aspectos definidos nos Tratados;
  • Economia, coesão social e territorial;
  • A agricultura e pescas, com exceção da conservação dos recursos biológicos marinhos;
  • Meio ambiente;
  • A proteção dos consumidores;
  • Transportes;
  • Redes transeuropeias;
  • Energia;
  • O espaço de liberdade, segurança e justiça;
  • Normas comuns de segurança para a saúde pública, nos aspectos definidos nos Tratados.

Outras competências compartilhadas dizem respeito aos domínios da investigação, do desenvolvimento tecnológico e do espaço[13] e aos domínios da cooperação para o desenvolvimento e da ajuda humanitária[14], sem que o exercício dessa competência pela U.E. possa impedir os Estados-Membros de exercerem a sua.

Por último, o Tratado de Lisboa dispõe sobre as competências de apoio[15]. Sobre estas, a UE não tem autonomia para legislar, contudo, é legal que ela apoie, coordene, ou complemente as ações dos Estados-Membros. Nesta competência, estão os domínios:

  • A proteção e a melhoria da saúde humana;
  • Indústria;
  • Cultura;
  • Turismo;
  • Educação, juventude, desporto e formação profissional;
  • A proteção civil (prevenção de desastres);
  • A cooperação administrativa.

Apesar da vasta competência da União Europeia, este exercício desta não é livre de limitações, afinal, tanto o princípio da proporcionalidade, que dispõe quanto à necessidade de proporção adequada entre os meios abordados e a finalidade da ação, bem como o princípio da subsidiariedade, no sentido de que a União Europeia deve intervir somente quando os países-membros não puderem realizar as ações necessárias nos campos externos aos da sua competência exclusiva, controlam o poder legislativo da União.

A divisão de competências foi uma das partes mais essenciais do Tratado de Lisboa, pois ajudou a delimitar as funções dentro da União Europeia. Além disto, os 27 países desta organização concordaram em desistir de parte de sua autonomia, enquanto Estados soberanos, para poderem buscar maior eficiência na política e economia, não apenas individual, mas também no espaço coletivo desta União. 

Ademais, os atos legislativos[16] emanados da União são divididos entre:

  • Regulamentos: Um «regulamento» é um ato legislativo vinculativo, aplicável em todos os seus elementos em todos os países da UE.
  • Diretivas: Uma «diretiva» é um ato legislativo que fixa um objetivo geral que todos os países da UE devem alcançar. Contudo, cabe a cada país elaborar a sua própria legislação para dar cumprimento a esse objetivo.
  • Decisões: Uma «decisão» só é vinculativa para os seus destinatários específicos (por exemplo, um país da UE ou uma empresa), sendo-lhes diretamente aplicável.
  • Recomendações: Uma «recomendação» não é vinculativa. Uma recomendação permite às instituições dar a conhecer os seus pontos de vista e sugerir uma linha de conduta sem, todavia, impor uma obrigação legal aos seus destinatários.
  • Pareceres: Um «parecer» é um instrumento que permite às instituições fazer uma declaração de forma não vinculativa, ou seja, sem impor qualquer obrigação legal aos seus destinatários. Um parecer não é vinculativo. 

Percebe-se, portanto, que a vinculação jurídica dos Estados-membros aos atos legislativos da U.E. irá depender da força vinculante do próprio ato, cabendo, inclusive, em caso de descumprimento por parte daqueles e à medida da força vinculante do ato legislativo descumprido, a interposição de medidas judiciais perante o tribunal da União Europeia.

Por fim, todo cidadão europeu, estrangeiro residente, visitante no espaço da U.E., empresas europeias ou estrangeiras realizando negócios na U.E., bem como os Estados-membros da U.E. e Estados terceiros que realizam negócios com estes e com a U.E., devem ter consciência da legislação proveniente da organização, pois ela emana direitos e deveres a todos eles.

Por Philipe Augusto da Silveira Cordeiro, advogado Brasil/Portugal/U.E.


[1] MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 6º Edição. Ed. Principia.

[2] DUARTE, Maria Luísa. Direito do Contencioso da União Europeia. 2017. Ed AAFDL.

[3] MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 6º Edição. Ed. Principia.

[4] Disponível em https://europa.eu/european-union/sites/europaeu/files/docs/body/jean_monnet_pt.pdf

[5] Winston Churchill: o apelo à criação dos Estados Unidos da Europa. Disponível em https://europa.eu/european-union/sites/europaeu/files/docs/body/winston_churchill_pt.pdf

[6] MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 6º Edição. Ed. Principia.

[7]MÉLIN-SOUCRAMANIEN, Ferdinand. PACTET, Pierre. Droit Constitutionnel. 37º Édition, 2019. Ed. Sirey.

[8]. Sua composição é formada por deputados proporcional a população do Estado-membro, sendo que nenhum deles pode ter menos de 6 ou menos de 96 representantes. Existem duas etapas dentro do parlamento: a primeira são as comissões parlamentares, que analisam a o projeto de legislação proposto, e a segunda, as sessões plenárias, que votam os projetos de legislação.

[9] Artigo 5º, nº 1 do Tratado da União Europeia.

[10] Artigo 4º, nº 1 do Tratado da União Europeia.

[11] Artigo 3º, nº 1 do Tratado de Funcionamento da União Europeia 

[12] Artigo 4º, nº 2 do Tratado de Funcionamento da União Europeia

[13] Artigo 4º, nº 3 do Tratado de Funcionamento da União Europeia

[14] Artigo 4º, nº 4 do Tratado de Funcionamento da União Europeia

[15] Artigo 6º do Tratado de Funcionamento da União Europeia

[16] Artigo 288º do Tratado de Funcionamento da União Europeia

Artigo originalmente publicado em Philipe Cordeiro Advocacia.

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